Felicidade ao alcance de todos

Qualidade de Vida

Pensadores europeus defendem a necessidade de resgatar valores como tempo, tranqüilidade e espaço no cotidiano para alcançar o bem-estar.

6 CAMINHOS PARA A FELICIDADE
CARINA RABELO E SUZANE FRUTUOSO
Revista Isto É: Edição 2021 30/07/2008

Você já deve ter vivido cenas semelhantes a essas. Acordar com o barulho de nervosas buzinas de carros, enfrentar a fúria de motoristas engarrafados no trânsito, conviver com um chefe tirano, almoçar falando alucinadamente ao celular e, ao final do dia, voltar, exausto, para casa. É o rolo compressor do cotidiano que passa por cima da vida de milhares de pessoas, todos os dias, no mundo inteiro, e com cada vez mais freqüência. Qualidade de vida não se resume a saúde física e dinheiro suficiente para comprar tudo aquilo que se deseja. Por isso, uma corrente de pensadores europeus, como o sociólogo italiano Domenico De Masi e o filósofo alemão Hans Enzensberger, vem chamando a atenção para a importância de um conjunto de seis princípios essenciais - direitos de todo ser humano - que estão cada vez mais escassos nos dias de hoje: ambientes saudáveis, espaço, tranqüilidade, autonomia, contemplação da beleza e tempo. Esse é o verdadeiro luxo que leva ao bem-estar, o mantra do século XXI. O que realmente vale a pena na vida não está ligado ao material e pode ser usufruído por qualquer pessoa, garantem os teóricos. E constatam muitas pessoas que já despertaram para essas necessidades (leia quadros).

1 AMBIENTE SAUDAVEL
2 ESPAÇO
3 TRANQUILIDADE
4 AUTONOMIA
5 CONTEMPLAÇÃO DA BELEZA
6 TEMPO

O alemão Enzensberger enumerou os seis princípios citados acima quando detectou que eles estavam cada vez mais distantes do dia-a-dia das pessoas, principalmente daquelas que vivem o cotidiano autômato das grandes cidades. Há 30 anos, no máximo, espaço, tranqüilidade e tempo, por exemplo, não representavam um bem a ser conquistado. Eles fluíam confortáveis em casas com quintais, noites silenciosas, trânsito sob controle e refeições com a família. Hoje, são um objeto de desejo, para muitos, quase inalcançável.

Um luxo tal qual um carro do ano, um aparelho eletrônico de última geração ou uma bolsa de grife. Por isso, nos últimos anos, a definição de luxo mudou. Antes, era visto como um bem que diferenciava uma pessoa das demais. Produtos caros e raros que poucos podiam comprar e mostrar. Com a produção - e a imitação - de grifes em larga escala, o conceito clássico entrou em crise. Hoje, o significado é mais nobre e está ligado às experiências de cada um. "É algo tão sublime que não precisa ser exibido para ninguém. Tem valor em si mesmo", explica o filósofo Luiz Felipe Pondé, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). O psiquiatra Jorge Forbes endossa: "O verdadeiro bem-estar não pode ser resumido a objetos ou lugares, porque não há mais a padronização da felicidade. O que torna um indivíduo único são as suas expressões singulares, que não podem ser medidas em dólares ou euros", analisa.
Por isso é que, com uma boa revisão de prioridades, seguida de algumas mudanças de atitudes, é possível reverter esse quadro sufocante, que neutraliza o prazer de grande parte da população adulta mundial, submersa num mundo de competitividade e stress generalizados.
Dulce Critelli, coordenadora do Centro de Orientação e Estudos da Condição Humana (Existentia). "Não espere o dia em que trabalhará menos. Reserve desde já tempo para você fazer o que quer e gosta." Segundo a filósofa, é comum o homem criar ilusões de impossibilidades - como não ter tempo para ler ou ligar para os amigos. "Observe-se e crie novos hábitos. Não podemos mudar o mundo, mas podemos modificar nosso comportamento e mentalidade", afirma.

Neste contexto, dois espaços são fundamentais na busca pela qualidade de vida: a casa e o ambiente de trabalho, onde passamos a maior parte do tempo. "As expectativas em relação à residência são maiores nos dias de hoje. Há mais atenção à exposição ao sol, à posição, à natureza, ao isolamento acústico", escreveu o filósofo francês Gilles Lipovetsky no livro A felicidade paradoxal. O mercado imobiliário já percebeu isso e investe fortemente nas áreas de lazer dos prédios, que mais se parecem com os quintais de antigamente. Árvores, jardins, locais para as crianças brincarem, além de confortos como salas de ginástica e piscina, integram os mais novos lançamentos. Internamente, a tendência são plantas sob medida e poucas paredes, com o objetivo de ampliar o espaço. As empresas também sabem da importância de proporcionar um local de trabalho saudável a seus funcionários como forma de estimulá-los e, assim, aumentar a produtividade. "As mais modernas oferecem ambientes generosos, mesas amplas em ilhas de trabalho, área de lazer. Algumas têm até duchas e salas de jogos", afirma a designer Ruth Fingerhut. O trabalho também caminha para deixar de ser o maior objetivo da vida. "As pessoas não se portam mais como máquinas, elas mostram que precisam de outra rotina. E os empregadores perceberam que devem reconquistar o trabalhador ou perderão talentos", alerta a filósofa Dulce.

Quem não pode transformar a casa ou o trabalho num oásis de bem-estar, tem como saída recorrer ao chamado "mercado da paz", que oferece cursos de ioga, meditação, livros de auto-ajuda e terapias. "Muitas pessoas estão presas ao trabalho 14 horas por dia. É uma forma de aproximá-las de suas essências", afirma Márcia De Luca, fundadora do Centro Integrado de Yoga, Meditação e Ayurveda (Ciyman), de São Paulo. Às vezes, medidas simples, como desligar o celular na hora do almoço e não acessar emails no fim de semana, fazem toda a diferença, pois o indivíduo deixa de estar disponível e conectado 24 horas por dia. "Você pode perder uma oportunidade de trabalho ou um convite, mas consegue relaxar e não perder o sono. Depois recupera o que deixou de ganhar", aposta o filósofo Luiz Felipe Ponde, da PUC-SP. O fundamental é não perder de vista o que realmente é essencial: "É preciso ter coragem para assumir os seus próprios desejos e se responsabilizar por eles. Muitas pessoas têm medo da felicidade porque temem fracassar e não ter a quem culpar. Esse sentimento desloca o indivíduo do grupo, o que pode gerar uma crise de identidade, um receio de não pertencimento", analisa o psiquiatra Jorge Forbes. O resgate de valores adormecidos, como pregam os pensadores europeus, é um bom começo para a promoção dessas mudanças em busca do bem-estar. O melhor é que todos têm esses instrumentos dentro de si.

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